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O que é a Dívida Ecológica?

A dívida ecológica é a dívida acumulada pelos países do Norte em relação aos países do Sul por duas razões: em primeiro, pelas exportações de matéria –primas a preços muito baixos dos países originários para os países altamente industrializados, preços que não incluem os danos ambientais produzidos pela extracção e processamento, nem pela contaminação que tais explorações provocaram ( e continuam a provocar); em segundo, pela ocupação gratuita e barata do espaço ambiental ( a atmosfera, a água e a terra) resultante dos depósitos dos resíduos produzidos pelos países do Norte.

A dívida ecológica começa com o colonialismo e ainda prossegue sob as mais diversas formas. O conceito de dívida ecológica baseia-se na ideia de justiça ambiental: se todos os habitantes do planeta têm direito à mesma quantidade de recursos e à mesma porção de espaço ambiental, os que usam mais recursos ou ocupam mais espaço têm uma dívida em relação ao demais.

Autora do texto: Daniela Russi, da ODG – Observatório da Dívida na Globalização – http://www.debtwatch.org

Texto retirado da revista «Ecologista» nº 42, Invierno 2004/2005, editada pelos Ecologistas en Acción

Tradução para português de Pimenta Negra

 

Biopirataria

Outra parcela da Dívida Ecológica resulta da apropriação intelectual e da utilização do conhecimento ancestral relacionado com as sementes, o uso de plantas medicinais e outros conhecimentos sobre os quais se baseiam a biotecnologia e a indústria agrícola moderna. É o que se chama a biopirataria.

As características das distintas espécies de plantas e animais domésticos são o produto de uma história milenar de interacção entre elas, com o meio físico e com os seres humanos. As comunidades seleccionaram durante milhares de anos espécies para usá-las como alimento e para efeitos medicianis, e graças a essa interacção modificaram as caracterísitcas das espécies naturais, criando variedades diferentes com propriedades que só alguns grupos de pessoas conhecem. Este conhecimento é precioso para as empresas farmacêuticas, as empresas biotecnológicas e agrícolas, que os utilizam para obter enormes lucros, apesar de nada pagarem às populações locais que lhes propiciaram esses conhecimentos, e que são os verdadeiros proprietários desses conhecimentos.

Um exemplo de bipirataria produziu-se com a Nem – e que foi denunciado pela eco-feminista indiana Vandana Shiva. Esta árvore é usada há milhares de anos na Índia para obter produtos agroalimentares, farmacêuticos e cosméticos. Mas os produtos da Nem e o conhecimento sobre muitas das suas propriedades foram patenteados por certos investigadores e por algumas multinacionais dos países do Norte que obtiveram com isso enormes lucros que, no entanto, não aproveitam às populações indianas.

Dívida do Carbono

Os cientistas estão de acordo sobre o facto de que a acumulação dos gases gerados pelos uso dos combustíveis fósseis provocam um aquecimento do planeta, com consequências potencialmente desastrosas, como a subida do nível do mar, o derretimento dos glaciares, o aumento das áreas desérticas, a diminuição dos rendimentos agrícolas, a extinção das espécies animais e vegetais e o incremento de fenómenos meteorológicos violentos.

Estes efeitos recaem sobre todos os habitantes doplaneta. Mas os países do Sul são os mais afectados: em primeiro, porque são as regiões mais sujeitas a furacões, inundações e à desertificação; em segundo, porque os países pobres dispõem de menos recursos para se defenderes; e em terceiros, porque têm uma economia que se baseia em larga medida no sector primário, que será sempre o mais prejudicado.

Por outro lado, as causas do efeito estifa encontram-se principalmente no grande consumo dos combustíveis fósseis por parte dos países ricos. Por consequência, os países do Norte, cujo desenvolvimento económico e bem estar se baseia no uso intensivo das fontes energéticas responsáveis pela emissão de gazes com efeito de estufa, são devedores em relação aos países do Sul. Essa parte da dívida chama-se Dívida do Carbono.

O cálculo da dívida ecológica está sujeita a várias abordagens. Em 1º lugar porque não não consenso entre os cientistas acerca da quantidade de gazes de efeito estufa antropogénicos que seja aceitável, pela complexidade dos fenómenos atmosféricos envolvidos. Não se sabe em quanto será o aumento da temperatura terrestre em consequência do aumento da concentração dos gazes com efeito de estufa. Em 2º lugar o aumento da temperatura sobre a terra terá consequências muito imprevisíveis uma vez que as inter relações entre os diversos componentes dos ecossistemas podem amplificar os efeitos. Por último, como ainda não existe um mercado de carbono há que usar um preço fictício para estimar o valor monetário da Dívida do Carbono, valor que é pois discutível.

De qualquer forma têm sido feitos esforços para calcular a Dívida do Crabono, o que é útil para se ter uma ideia, ainda que aproximada, do seu montante e para se poder compará-la com o montante da dívida externa. Por exemplo, John Dillon, coordenador da Coligação Ecuménica para a Justiça Económica (ECEJ), em «Ecological Debt: South Tells North Time topay up», parte das recomendações do Grupo Intergovernamental sobre a Mudança Climática, que afirma que as emissões dos gazes com efeito de estufa terão de ser reduzidos em 60% em relação ao nível de 1990. Isto quer dizer que as emissões não poderão superar os 2,8 biliões de toneladas anuais de CO2 ( 0,4 toneladas per capita) e os países industrializados, que representam 20% da população mundial, terão direito a emitir apenas 0,56 biliões de toneladas. Ora como hoje emitem 3,5 biliões, a sua Dívida de carbono será a diferença entre esses dois números, isto é, 2,94 biliões de toneladas.

O valor sa Dívida de Carbono obtêm-se multiplicando esse número pelo preço de uma tonelada de CO2. Como ainda não existe ainda um mercado – e, além disso, o preço por tonelada de CO2, nos países que assinaram o Protocolo de Kioto dependerá da procura, e que depende da redução necessária – é necessário, por enquanto, fazer uma estimativa desse preço. A ECEJ utiliza 3 preços: 10 dólares por tonelada ( umpreço sugerido por alguns meios durante as negociações de Kioto), 12,5 dólares ( quantidade que o governo inglês supostamente pedirá para a quantidade de emissões que conseguirá reduzir, para além do objectivo a que se tinha proposto dos 8%), e 20 dólares ( o preço que o governo da Costa Rica, num projecto piloto de venda de bonos de aborção obtidos mediante a plantação de árvores). Usando esses preços, a Dívida do Carbono dos países do G7 é, respectivamente, de 15,5 , 19,3 , ou 30,9 biliões de dólares. Para se ter uma ideia da magnitude destas quantias, basta dizer que a dívida externa dos países pobres em 2001 somava a quantia de 2,3 biliões de dólares, segundo o Banco Mundia. Da comparação parece evidente que os países do Sul já pagaram há muito a sua dívida externa…

Pode-se ainda dizer que a lógica do conceito da Dívida Ecológica é diferente da que está na base do protocolo de Kioto. De facto, este Protocolo atribui quotas de redução das emissões partindo do nível das emissões de 1990: quem mais contaminasse em 1990 terá mais direito a contaminar no futuro. Pelo contrário, o conceito da Dívida ecológica implica que todos os habitantes da Terra tenham o direito à mesma quantidade de emissões, independentemente do local onde tenham nascido, assim como se segue a regra de que quem mais contamina é maior devedor em relação à humanidade.

Passivos Ambientais

O termo passivo deriva da linguagem económica. Na contabilidade de uma empresa o passivo é o conjunto de dívidas e ónus que reduzem o activo. Usado em termos ambientais, o termo refere-se ao conjunto de danos ambientais não compensados que as empresas transferem para a colectividade devido a incidentes ou devido ao seu normal funcionamento.

Quando uma empresa causa um dano à colectividade, a responsabilidade moral é clara, mas a sua responsabilidade jurídica depende do sistema legislativo.Frequentemente o contexto permissivo dos países do Sul levam as empresas a não considerar como custos – ou então, considerá-los como muito baixos – os danos ambientais que produzem, para alem de não se verem incentivadas a reduzi-los. Por isso é urgente a criação de uma legislação internacional sobre responsabilidade ambiental. A responsabilização constituiria um forte incentivo à redução dos danos ambientais, pois originaria uma internalização dos custos e dos riscos ambientais que provocarem, para além de ter como consequência a aceitação do princípio de que os recursos ambientais não são bens livres e gratuitos, mas têm um custo.

Tráfico de Resíduos

O sistema industrial produz uma grande quantidade de resíduos, com diferentes graus de toxicidade. Tratar desses resíduos torna-se dispendioso, e tais custos variam conforme as exigências normativas do países. Por essa razão, as empresas dos países do Norte acham rentável exportar tais resíduos tóxicos para os países onde a legislação ambiental é menos severa e, graças a essa menor severidade, desfazer-se desses resíduos.

Um exemplo é o transporte de resíduos eléctricos e electrónicos. Nos últimos anos, cerca de 80% dos aparelhos eléctricos e electrónicos recolhidos nos Estados Unidos para serem reciclados foram exportados para China, Índia e Paquistão, onde são tratdos sob condições altamente prejudiciais para a saúde humana através da incineração ao ar livre, criação de piscinas de ácidos, despejos incontrolados nas áreas rurais… Segundo um estudo da Agência de Protecção Ambiental norte-americana é 10 vezes mais económicos enviar um monitor para a Ásia do que ser reciclado nos Estados Unidos.

Quantificar a Dívida Ecológica?

Não se pode dar um valor monetário à Dívida Ecológica no seu conjunto. De facto, há dificuldades que se ligam a um grande número de danos ambientais produzidos desde a época do colonialismo até aos nossos dias que faz ser impossível o seu cálculo total.

Da mesma maneira, a complexidade das relações entre ecossistemas e a sociedade humana faz que seja difícil determinar com exactidão as consequências de uma dano ambiental. As interacções entre os elementos de dois sistemas podem amplificar em muito uma perturbação no equilíbrio inicial e levar a mudanças irreversíveis e imprevisíveis. A contaminação transmite-se e acumula-se ao longo da cadeia trófica e os factores que aumentam o risco são muitos, e às vezes interactuam entre eles, tendo efeitos a longo prazo. Por isso é que é muito difícil isolar o efeito de cada elemento contaminante e estabelecer uma relação linear de causa-efeito.

Por último, a avaliação monetária pode dar conta só de uma parte das perdas associadas com a Dívida Ecológica, mas ignora muitos outros aspectos dessas perdas. Por exemplo, os economistas usam vários métodos para estimar o valor económico de uma vida humana, usando por exemplo o custo-oportunidade de trabalho perdido ou o preço dos seguros de vida. Estes valores reflectem só uma parte das perdas associadas a uma morte, enquanto que muitos outros aspectos não podem ser expressos em termos monetários. Mais a mais, estas estimativas são sempre discutíveis. Porque dependem do rendimento.

Por todas estas razões é que não é possível compensar senão uma pequena parte da Dívida Ecológica. Em muitos casos as populações prejudicadas por uma empresas recusam discutir a quantia da indemnização. No entanto, ao nível empresarial e institucional é mais eficaz usar uma linguagem quantitativa e monetária. Por exemplo, comparar a Dívida Ecológica, expressa em valores monetários, com a dívida externa, pode ser muito útil para demonstrar como esta última já há muito que foi paga, e que são os países do Norte que devem aos do Sul, e não ao contrário. Por outro lado, a avaliação monetária dos danos ambientais é útil num contexto judicial: a compensação económica do dano pode ser a única maneira de que as vitimas serem ressarcidas, para além de constituir um poderoso acicate para as empresas tomarem precauções e reduzir os riscos de acidentes.

A quantificação monetária não é a única maneira de avaliar a Dívida Ecológica: podem-se ainda usar métodos de quantificação física. Alguns dos possíveis indicadores são os que se obtêm da análise dos fluxos de materiais, uma metodologia que consiste em somar todas as toneladas de matéria que entram e saem de um sistema económico. Acontece que um fluxo de materiais não é um indicador directo de contaminação ( um gramo de mercúrio contamina mais que uma tonelada de ferro), mas pode dar uma ideia da dimensão física de uma economia. Usando esta metodologia, podemos observar que, enquanto de um ponto de vista monetário, as importações europeias são aproximadamente iguais às exportações, em termos de peso a Europa importa aproximadamente quatro vezes mais do que aquilo que importa.

Isto quer dizer que as exportações europeias são muito mais caras que as importações, ou seja, que os ingressos obtidos pela venda de bens exportados pode ser utilizado para comprara quatro toneladas de bens importados. Por isso é que os países do Sul se vêm incentivados a vender uma quantidade crescente de bens primários, como combustíveis fósseis, metais, minerais, etc, que produzem muita contaminação e pouca riqueza, ao passo que os países do Norte se especializam em produtos mais elaborados, mais caros e menos contaminantes.

Concluindo, a Dívida Ecológica é um instrumento conceitual sintético e eficaz para tratar das relações injustas Norte-Sul, e um meio adequado para obter o reconhecimento do desequilíbrio no uso dos recursos naturais e na contaminação produzida, a prevenção, isto é, uma série de políticas ambientais e económicas que impeçam a produção de novas dívidas, assim como a reparação –monetária e política – e a compensação, na medida do possível, da dívida já criada e, finalmente, a abolição da dívida externa.