A primeira década

De grupo académico a grupo de acção – a primeira década do GAIA

Amanhã o GAIA faz 20 anos. Para quem não está a par, vai haver festa todo o dia na actual sede em Alfama.

Eu juntei-me ao GAIA há 19 anos, quando era apenas um pequeno grupo de estudantes de Engª Ambiente, cuja maior acção era ir com um pano gigante na mini-maratona da ponte 25 de Abril. No colectivo Telmo Goncalves, Bernardo Taneco, João Almeida, Ana Marcão, Simao Dias, David Santos e mais alguns que certamente o nome me falta.

Começámos a estruturar-nos em grupos, a organizar a comunicação e, com o David, tomei a minha primeira coordenação de um grupo, o Grupo de Pesquisa de Informação. Aí tratei das publicações offline (com o lançamento do boletim “O Espírito da Terra”, posteriormente “Erva Daninha”) bem como online (como este antigo site que ainda vive em arquivo: http://gaia.org.pt/arquivo/web2001/indexold.htm).

Com isso – e com a internet – iniciei também os contactos internacionais e divulgação de problemáticas e campanhas que levaram por exemplo à a organização da campanha “A Aposta” de combate às alterações climáticas através de iniciativas de poupança directa em escolas; o meu primeiro encarceramento numa acção de desobediência civil contra a barragem de Itoiz no país basco, aquando do encontro internacional da organização ASEED na aldeia ecológica de Lakabe; ou o dia sem compras, lançado pelos Adbusters.

De todas as experiências nos primórdios da organização, a mais interessante é talvez a tentativa de mobilização e convergência de organizações e movimentos no N30 (30 de Novembro de 1999) em Lisboa. Na altura enviámos mais de 400 cartas para endereços de movimentos comunistas, anarquistas, ecologistas, socialistas e tudo o que pudesse mover-se na crítica ao capitalismo. Foram reuniões e reuniões intermináveis, mobilizadas por mim e uma então estudante de arquitectura, a Patrícia (que acabou pouco depois em burn-out e a família forçou o contacto com o GAIA a ser cortado), ao qual se juntou um hiper-estruturado e experiente anarquista finlandês da People’s Global Action.

Mais de 50 colectivos convergiram e divergiram em reuniões na BOESG ou na casa okupada da Praça de Espanha. Divisões históricas deram muito muito trabalho a que uma acção unitária tomasse lugar em Lisboa, ao mesmo tempo que em Seattle o movimento anti-globalização se preparava para entrar numa nova era. No final, não só aprendemos muito e contribuímos para uma convergência histórica de movimentos, como mobilizámos mais de 300 pessoas em Lisboa para temas comos os acordos multilaterais de comércio em preparação, que além de alguns artigos no jornal Avante, ninguém falava ou escrevia – e muito menos relacionava com a destruição ecológica em curso.

Cresci e aprendi com o GAIA, ao mesmo tempo que contribuí para um GAIA mais politizado, onde o primeiro A, então Académico, passou a significar Acção. Em poucos anos registámos o GAIA como ONG, tendo o cuidado de não o transformar numa burocracia, mas mantendo a horizontalidade, abertura e capacidade de acção que ainda hoje caracterizam a associação, e que lhe atribuem um papel central no ecologismo político em Portugal.

Hoje o GAIA continua vivo, não só a trazer e tratar temas ecológicos e sociais com uma visão e crítica difícil de encontrar noutras organizações ecológicas em Portugal, mas também a providenciar estrutura para movimentos sociais, desde plataformas de publicação livre, até espaços físicos, essenciais para o encontro e agitação de ideias e cidadania.

Eu não estou em Portugal e a minha cooperação com o GAIA é hoje obviamente reduzida – mas continuamos parte da mesma rede e, como o Bernardo sempre fazia questão de dizer – mais do que um grupo de pessoas que se junta para fazer alguma coisa, o GAIA é sobretudo um grupo de amigos. Esse é talvez (ainda) um dos principais ingredientes para o seu sucesso.

Muito mais há para contar, mas o tempo é curto, talvez outro dia escreva mais sobre a primeira década de activismo do GAIA.

 

  • Gualter Barbas Baptista