A diferença entre patentes e direitos de criador

Os Direitos de Criador de Plantas e as Patentes são duas formas de direitos de propriedade intelectual sobre plantas agrícolas que no entanto foram criadas a partir de ópticas diferentes, existindo por isso algum conflito entre os dois sistemas.

DIREITOS DE CRIADOR

Os Direitos de Criador de Plantas evoluíram a partir dos anos 30 do século XX, quando a agricultura começou a ganhar escala e a globalizar-se. Em 1970 os Estados Unidos da América (EUA) introduziram a Lei da Protecção das Variedades de Plantas e rapidamente outros países seguiram o exemplo. O criador (empresa ou pessoa) pode optar por ter a comercialização exclusiva da variedade de planta em questão ou ceder licenças a outros.

Para obter direitos exclusivos a variedade a “proteger” tem que ser nova, distinta, homogénea e estável (1). O espírito em que foram desenvolvidos os Direitos de Criador espelha bastante bem a realidade da criação de plantas e os subsequentes processos de comercialização, deixando menos espaço para interpretações múltiplas. Por exemplo, os Direitos de Criador admitem certas excepções: é autorizada a utilização das sementes “protegidas” para efeitos de pesquisa e ainda a preservação de sementes de uma colheita para outra pelos agricultores (o chamado “privilégio do agricultor”). No entanto, estas excepções, na última década, têm estado sob ataque das empresas de sementes e a última revisão (1991) do Tratado Internacional UPOV para a protecção de novas variedades de plantas já só prevê a preservação de sementes para uso próprio.

PATENTES

Uma Patente protege ou compensa alguém (empresa ou pessoa) que criou uma invenção tecnológica, pressupondo-se que tal protecção estimule o desenvolvimento de novas invenções. A gama de invenções patenteáveis é ampla, por isso a linguagem tende a ser generalista e não se adequa especificamente às plantas. Até 1980 nem era possível patentear formas de vida, isso mudou quando um tribunal nos EUA aprovou uma Patente para uma bactéria geneticamente modificada (2). Em 1998, com a passagem da Directiva Europeia sobre as invenções biotecnológicas (3), as Patentes sobre a vida também chegaram à Europa.

Os critérios para obter Patentes sobre plantas e os direitos subsequentemente conferidos, uma vez que evoluíram a partir dos critérios e direitos para invenções tecnológicas não biológicas, são muito abrangentes comparados com os Direitos de Criador e por isso sujeitos a múltiplas interpretações. Como exemplo, as Patentes protegem a “invenção” durante todas as fases de vida do gene ou planta em questão, desde a pesquisa, passando pela colheita até aos produtos processados.

UMA COMPARAÇÃO DOS DOIS SISTEMAS

Os direitos das Patentes e de Criador de Plantas são obtidos através de sistemas paralelos, tanto a nível nacional como a nível internacional. Por isso não é surpreendente terem surgido conflitos entre os detentores dos dois tipos de direitos (4):

– Enquanto o Direito de Criador proíbe a exportação da variedade “protegida”, tal restrição não se aplica à Patente.

– A autorização de guardar sementes apenas existe para sementes protegidas por Direitos de Criador, mas não para sementes patenteadas.

– Por causa da excepção para pesquisa concedida no caso de sementes protegidas por Direitos de Criador, qualquer empresa pode inserir um gene patenteado numa variedade “protegida”, mas o proprietário desta variedade não pode utilizar esta “melhoria” para criar novas variedades. As consequências deste vácuo na legislação ainda não foram bem estudadas.

– As empresas de sementes gostavam de ver os Direitos de Criador reforçados, igualando-os aos direitos concedidos por Patentes. A reacção dos governos dos países em desenvolvimento, de onde provém a maior parte do material genético objecto de direitos de propriedade intelectual, tem sido de tentar restringir o acesso aos seus recursos, causando tensão entre estados.

Actualmente múltiplos Tratados Internacionais visam trazer a variedade de legislações nacionais sobre direitos intelectuais em linha com a legislação norte-americana, que concede direitos quase ilimitados às empresas de sementes sobre as suas “inovações” e restringe significativamente a actuação dos criadores independentes e dos agricultores. O lóbi para reforçar os direitos intelectuais sobre plantas agrícolas está a encontrar forte resistência nos países do Sul, mas mesmo assim já resultou em novas regras internacionais que favorecem uma protecção mais ampla das variedades comerciais.

Tanto os Direitos de Criador como as Patentes não estão a cumprir a promessa do incentivo à inovação: Vários estudos demonstram que o investimento em pesquisa não melhorou significativamente depois da introdução dos Direitos de Criador e das Patentes sobre formas de vida (5), enquanto outros afirmam que os direitos de propriedade privada aplicados a bens essencialmente comuns, criam tensões intergovernamentais, sociais e económicas (6).

REFERÊNCIAS

  1.  Para gozar de direitos de criador, a variedade em questão tem que obedecer aos seguintes critérios: ser nova (não comercializada no país em questão durante o último ano), distinta (distinguindo-se de todas as outras variedades conhecidas por uma ou mais características botânicas), homogénea (as características da planta são as mesmas para todas as plantas da variedade) e estável (as características da planta mantêm-se de uma geração para outra ou, no caso das plantas híbridas, depois de um ciclo de reprodução). O criador deve dar um nome aceitável à variedade e comercializá-la sob este nome.
  2. http://www.actionbioscience.org/genomic/crg.html
  3. http://www.droit-technologie.org/actuality-1175/the-directive-98-44-ec-f…
  4. Moschini, G., and Yerokhin, O., “The Economic Incentive to Innovate in Plants: Patents and Plant Breeders’ Rights,” in J.P. Kesan, ed., Agricultural Biotechnology and Intellectual Property: Seeds of Change, CAB International, 2007 (pp.190-203).
  5. idem
  6. Sabrina Safrin, “Hyperownership in a Time of Biotechnological Promise: The International Conflict to Control the Building Blocks of Life” Rutgers Law School (Newark) Faculty Papers, 2004 (Paper 15)

NOTAS

  1. Fonte para informação sobre direitos de propriedade intelectual aplicados a plantas.
  2. Outras formas de direitos de propriedade intelectual:
  • Segredo industrial (a protecção de informação através de contratos de confidencialidade)
  • O uso de plantas híbridas (geralmente perdem as suas características após um ciclo de reprodução, obrigando os utilizadores a comprar sementes novas todos os anos)
  • Tecnologias de Restrição do Uso Genético (Os chamados GURTs, muito contestados e ainda não aplicados comercialmente: um exemplo de um GURT é a tecnologia de Sementes Terminadoras – as plantas ficam estéreis)
  • Contrato via Etiqueta/Embalagem (muito usado nos EUA, a etiqueta ou embalagem contém as regras de utilização – o contrato – que entram em vigor quando a embalagem for aberta)

Grupo de Acção e Intervenção Ambiental