A legislação portuguesa em matéria de sementes

Desde 2004 que em Portugal é obrigatório registar variedades de plantas agrícolas e hortícolas no Catálogo Nacional de Variedades (CNV) antes de poder proceder à comercialização das respectivas sementes.

O termo comercialização é tão amplamente definido, que nele cabem todo o tipo de trocas ou cedências: “a venda, a detenção com vista à venda, a oferta para venda e qualquer cessão, fornecimento ou transferência de sementes a terceiros, a título oneroso ou não, para fins de exploração comercial, não sendo considerado comercialização o intercâmbio de sementes sem objectivos comerciais, designadamente:

i) O fornecimento de sementes a instituições oficiais para ensaios e experimentação;

ii) O fornecimento de sementes a acondicionadores de sementes para beneficiação, desde que estes não adquiram direitos sobre as sementes fornecidas; e

iii) O fornecimento de sementes sob certas condições a agricultores para produção destinada a fins industriais ou a agricultores-multiplicadores para produção de semente, desde que estes não adquiram direitos, quer sobre as sementes quer sobre o produto da colheita”

Para efeitos de listagem no CNV e para a obtenção de direitos de criador, as variedades têm que obedecer aos critérios DHE: serem Distintas, Homogéneas e Estáveis. Um criador pode optar por pedir um direito de criador antes de registar a sua variedade, no entanto, apenas pode comercializar a sua variedade protegida se for listada no CNV.

As variedades agrícolas (culturas com aplicação industrial e com grandes áreas de cultivo como os cereais, algumas leguminosas, sementes de girassol,..) têm que obedecer ainda aos critérios VAU – valor agronómico e de utilização, para efeitos de registo nos Catálogos Nacionais de Variedades.

As variedades registadas nos Catálogos Nacionais são automaticamente inscritas no Catálogo Comum (Europeu) de Variedades, podendo ser comercializadas em qualquer país da União Europeia. Da mesma maneira, as empresas de sementes podem pedir direitos de criador nacionais (junto da autoridade nacional responsável) e/ou europeus (junto do ICVV – Instituto Comunitário das Variedades Vegetais). Para ser concedido um direito de criador, a variedade tem que ser nova: não ter sido comercializada no(s) país(es) para o qual se pede o direito há mais de um a seis anos, dependendo da espécie em questão.

As variedades tradicionais não conseguem cumprir com os critérios DHE e ainda menos com os critérios VAU, aliás, a sua variabilidade genética mais elevada e vasto espólio de variedades são precisamente o que as tem permitido adaptar-se a condições de clima e de solo em constante mutação. O uso de milhares de variedades tradicionais em pequena escala contrasta assim fortemente com a aposta em monoculturas baseadas em apenas uma variedade.

Outra dificuldade para o pequeno agricultor ou criador, sobretudo para os que utilizam variedades tradicionais, é que a preservação de sementes para efeitos de comercialização tem que obedecer a protocolos bastante elaborados definidos pelo ICVV, o que encarece ou até impossibilita esta actividade.

O decreto-lei DL 88/2010 (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 42/2017) antecipou e transpôs para a legislação portuguesa a revisão das directivas europeias sobre a comercialização de sementes em curso, optando-se por reunir num único decreto-lei todo o regime jurídico da produção, controlo, certificação e comercialização de sementes de espécies agrícolas e de espécies hortícolas, com excepção das utilizadas para fins ornamentais. Na introdução do decreto-lei, é deixado claro qual o objectivo da revisão:

“A qualidade dos produtos obtidos na agricultura depende, em larga medida, da utilização de variedades vegetais adequadas e cujas sementes sejam produzidas de acordo com um sistema de certificação rigoroso e uniformizado aplicado ao mercado interno da União Europeia e ao comércio internacional de sementes. Assim, apenas podem ser comercializadas sementes que tenham sido certificadas de acordo com as regras oficiais de certificação.”

Embora aparentemente a obrigação de cumprir com normas rigorosas para a produção e comercialização de sementes pareça proteger os direitos dos agricultores que compram sementes e a “saúde pública”, ao mesmo tempo torna possível proibir a prática milenar de guardar sementes e a livre circulação de sementes. Para mostrar que existe preocupação com as sementes tradicionais, são criadas algumas excepções para as mesmas. No entanto, estas regras especiais remetem as variedades tradicionais para o campo de “variedades de conservação”, introduzem a obrigação de as registar no CNV e restringem drasticamente o mercado destas variedades: só podem ser comercializadas na sua região de origem (nem sempre fácil de determinar) e em quantidades extremamente limitadas (para algumas espécies não mais do que as colheitas de 10 ha).

Com o posterior Decreto-Lei n.º 42/2017 felizmente procede-se à eliminação da obrigatoriedade de licenciamento da actividade de agricultor-multiplicador, no entanto quem pretende vender sementes deve continuar a registar-se para obter licença.

Outra boa notícia foi a aprovação do Regulamento Europeu (2018/848) sobre o Modo de Produção Biológico, que inclui uma importante vitória para agricultores, pequenos multiplicadores de sementes e guardiões de sementes locais/tradicionais: autoriza a livre produção, troca e venda de sementes locais/tradicionais/camponesas, sem obrigações de registo no Catálogo de Variedades. No entanto, nunca há bela sem senão em matéria de recursos valiosos como são as sementes. A Comissão Europeia já está a tentar passar um chamdo ‘acto delegado’ que volta novamente a restringir o mercado das sementes não-comerciais. A última palavra sobre isto ainda não foi dita, este acto delegado foi fortemente contestado e pode vir a mudar.

Notas:

O Decreto-Lei 42/2017 é agora a base de toda a legislação em matéria de reprodução e comercialização de semente. Revoga o DL 88/2010 e 154/2004. Foi entretanto alterado pelos Decretos-Leis n.os 116/2017, de 11 de setembro, 41/2018, de 11 de junho, e 59/2019, de 8 de maio.

Decreto-Lei n.º 154/2019 é um decreto misto de transposição de directivas europeias que ‘estavam atrasadas’: ‘Transpõe diretivas sobre espécies hortícolas, organismos prejudiciais aos vegetais e produtos vegetais, organismos geneticamente modificados e atualiza o regime de transposição da diretiva sobre compatibilidade eletromagnética dos equipamentos’. Representa a quarta alteração ao DL 42/2017, e 12ª alteração ao Decreto-Lei n.º 154/2005.

O Regulamento Europeu 2018/848 sobre o modo de produção biológico e sementes biológicas, entrará em vigor em toda a UE em Janeiro de 2021.

Decreto-Lei 144/2015: Revogou e alterou o Decreto-Lei 154/2004 estabelecendo o regime geral do Catálogo Nacional de Variedades de Espécies Agrícolas e Hortícolas, mas foi entretanto consolidado dentro do novo Decreto-Lei 42/2017.

Decreto-Lei 257/2009: transpõe as Directivas da CE n.º 2008/62/CE e 2009/145/CE, estabelecendo algumas derrogações para variedades agrícolas intituladas ‘de conservação’, simplificando as regras mas introduzindo a obrigatoriedade de estas variedades serem registadas no CNV e ainda restringindo o seu cultivo e comercialização à região de origem. Por fim, limita significativamente a quantidade que pode ir para o mercado. Foi entretanto alterado pelos Decretos-Leis n.os 54/2011, e 34/2014.

Decreto-Lei 91/2012: prevê determinadas derrogações à comercialização de misturas de sementes de plantas forrageiras destinadas a serem utilizadas na preservação do meio natural. (Transpõe a Directiva Europeia 2010/60/EU).

Informação da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária sobre produção de sementes em modo biológico

Grupo de Acção e Intervenção Ambiental