O 3° Encontro Europeu entre parceiros provenientes da Croácia, Polónia, Inglaterra e Portugal “Sementes para o Futuro/ Seeds for the future” aconteceu em Lisboa, de 16 a 19 de Outubro de 2014 e foi acolhido e coordenado localmente pela ONG portuguesa GAIA (Grupo de Acção e Intervenção Ambiental).
Ao longo de 3 dias e em espaços distintos de Lisboa desenvolveram-se abordagens teóricas e práticas ao tema central “Sementes para o futuro”, envolvendo os participantes internacionais, participantes portugueses e o público em geral.
Dia 1 -Ouvir e partilhar
Organizado em vários módulos teóricos, o 1° dia do Encontro Internacional visou semear as bases teóricas do Encontro Internacional e compreender a biodiversidade cultivada (a partir do solo), as pressões políticas e os conflitos de interesse em matéria de patentes sobre a vida, as relações de poder a nível global, bem como a ética e filosofia da preservação de sementes naturais numa nova era. Reuniu uma série de intervenções de investigadores em biologia e ciências sociais e humanas, seguidas de debates e discussões animadas em inglês.
Destacou-se o tema da “agricultura biológica” e “agricultura de conservação” baseadas na defesa da Vida: a vida do solo, dos animais, das plantas e dos seres humanos. Porém, desde 2004, os produtores biológicos na Europa têm de usar sementes certificadas/patenteadas para AB (Agricultura Biológica). O problema é que estas sementes são raras e a maioria das variedades do comércio são provenientes de selecções industriais pouco adaptadas ao modo de produção biológico. As sementes camponesas são não só uma alternativa aos OGM e aos direitos de propriedade industrial, mas também a única forma de manter a autonomia dos camponeses sobre as suas culturas. São reprodutíveis e não apropriáveis, para além de contribuirem para manter a biodiversidade, as paisagens, a saúde dos solos, dos animais e dos humanos. Enfim, correspondem a uma abordagem responsável da agricultura. Mesmo assim, o contexto jurídico actual tenta proibí-las. As normas para a comercialização das sementes restringem cada vez mais a sua difusão. Pior ainda, o direito de trocar sementes entre camponeses está cada vez mais ameaçado.
Durante este dia, os participantes internacionais foram ainda desafiados a testar os seus limites em trabalho assembleário e a questionar-se sobre a dificuldade da tomada de decisão em grupo, num módulo de simulação sobre como chegar a um consenso em assembleia.
No final do dia, cada país participante apresentou o projecto no qual está mais activamente envolvido neste momento, e partilhou experiências e exemplos em torno das práticas de re-utilização e troca de sementes e mudas livres.
Dia 2 -Co-operar e celebrar
No 2° dia, o grupo internacional foi convidado a participar num evento local (o 1° de muitos!) organizado por um grupo de activistas pela Soberania Alimentar em Portugal, o Festival da Soberania Alimentar e da Semente. Este evento aberto ao público visou reunir num mesmo espaço e durante um dia, produtores e consumidores, cidadãos e camponeses, produtores rurais e urbanos, agricultores não certificados, guardiões de sementes e defensores da Vida em geral.
Ao longo do dia, um mercado livre reuniu entre outros: horticultores amadores, neo-rurais que produzem e transformam os seus próprios legumes, frutas e cereais, alguns pioneiros da agroecologia camponesa portuguesa, e pessoas que produzem e conservem as suas próprias sementes.
Na parte da manhã, os visitantes do Festival foram incentivados a guardar as suas próprias sementes, no âmbito de uma oficina facilitada por duas guardiãs de sementes, fundadoras do projecto Círculos de Sementes.
Os participantes aprenderam que as sementes de origem camponesa são provenientes da diversidade dos campos e de práticas ancestrais e que o valor nutricional e gustativo dos produtos provenientes destas sementes é muito superior aos outros. Por outro lado, as sementes “tradicionais” são menos exigentes em insumos e mais adaptáveis às mudanças climáticas.
Ao longo do dia, através de oficinas, círculos de debate e reflexões colectivas, os participantes foram encorajados a reflectir e a agir pela liberdade das sementes de variedades tradicionais e pela preservação dos seus direitos legítimos à Soberania Alimentar.
Houve várias propostas concretas durante o dia para começar a agir: 1) Escolher comer, no seu dia-a-dia, produtos locais e provenientes de práticas agrícolas respeitosas da terra e de quem a trabalha, 2) Apoiar a pequena agricultura camponesa e a instalação de novos produtores “biológicos” que cultivam variedades tradicionais, através de, por exemplo, grupos de consumo em circuito curto, 3) Pedir contas as pessoas que ocupam os postos de decisão (governos e multinacionais) e investir em associações que lutam pelos direitos dos camponeses e dos consumidores, 4) Juntar-se às associações e grupos informais que participem na conservação, na promoção da biodiversidade cultivada e nas práticas culturais associadas.
Em conclusão, o Festival da Alimentação e da Libertação das Sementes, foi um Evento Internacional muito convival e dinâmico. Ficou aberto à participação de todos e permitiu acções e bancas espontâneas. A felicidade dos organizadores e dos participantes foi palpável e contagiosa, quer seja durante as refeições (veganas, locais e livres de transgénicos) quer durante as trocas de sementes.
Dia 3 -Ver e sentir
A agricultura urbana com base social comunitária está cada vez mais presente nos centros das cidades europeias enquanto os cidadãos procuram alternativas locais à produção alimentar industrial e como organizar o espaço público para alimentar a cidade. As hortas urbanas enfrentam múltiplos desafios em Lisboa: o acesso ao espaço público, o acesso ao solo, a qualidade das águas para rega, restrições na gestão colectiva, etc..
Os projectos portugueses visitados neste último dia do Encontro Internacional permitiram oferecer aos parceiros de fora uma amostra de exemplos inspiradores de implementação da agricultura urbana “à portuguesa”: Hortas urbanas geridas pela Câmara Municipal de Lisboa, baldios abandonados e “suspensos” com vista a futuros projectos (megalómanos) imobiliários, ocupados de forma transitória e espontânea, uma cozinha popular de bairro que transforma produtos locais e activa a reflexão da população local sobre os desafios da alimentação local, uma horta em permacultura experimental implementada por estudantes no campus universitário (ou: “como produzir mais em menos espaço”), e finalmente, uma estufa criativa que usa sistemas de produção engenhosos para responder à escassez do solo e de espaço na cidade, optimizando o uso de água e a verticalidade do espaço.
Adicionalmente, a seguir ao almoço na Cozinha Popular da Mouraria, organizou-se uma mesa aberta de partilha de experiências com apresentações das mais variadas experiências rurais vivenciadas por alguns activistas do GAIA, que escolheram mudar-se para o campo há mais ou menos anos. Expressaram-se sobre a “utopia inicial” que os levou là, num “regresso a terra” para alguns, numa primeira ida para outros, sobre a “dura realidade” do terreno e os desafios concretos aos quais tiveram de responder. Através das suas perguntas, os participantes dos 4 países demonstraram muito interesse e curiosidade em perceber o contexto e os pormenores da experiência concreta de cada um. Ainda durante este 3° dia, os vários momentos de encontro entre os hortelões, agricultores urbanos e participantes internacionais permitiram trocas de sementes e de conselhos sobre boas práticas agrícolas, que cada participante levou consigo para casa.
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