o que é e o que se pretende com a agroecologia?

AGROECOLOGIA: CIÊNCIA, PRÁTICA E MOVIMENTO SOCIAL

A Agroecologia não compreende uma série de instruções técnicas, mas sim princípios que podem ser aplicados em diversos contextos. Actualmente, a Agroecologia é vista como tendo três facetas principais: Agroecologia como ciência, Agroecologia como prática e Agroecologia como um movimento social.

A Agroecologia como ciência procura compreender as relações ecológicas entre os diferentes elementos do agroecossistema. Esta identifica e analisa as interacções, interdependências e dinâmicas entre diversas espécies de plantas e animais, domésticos ou silvestres, que se encontram no ecossistema agrícola.

A Agroecologia como prática representa a interface de contacto entre os seres humanos e os ecossistemas, reflectindo sobre os modos como estes se influenciam mutuamente através da produção agrícola. Pode dizer-se que tem por base os sistemas tradicionais de gestão de recursos naturais em conjunto com conhecimentos científicos de ecologia e agronomia.

A Agroecologia como movimento social admite que é necessário mudar o sistema alimentar, defendendo o direito à soberania alimentar e justiça ambiental dos humanos em geral e das mulheres e povos indígenas em particular. Luta contra o controlo do sistema alimentar por grandes empresas multinacionais, pressões de mercado e tratados de livre comércio internacionais.

Quinta Maravilha, 2020. Fotografia Sara Baga

AGROECOLOGIA COMO MODO DE VIDA DIGNA, ENRAIZADA NA CULTURA E NO TERRITÓRIO

O conceito de Agroecologia é usado também para descrever os modos de vida que permitiram às populações locais subsistir nos seus territórios ancestrais ao longo de gerações. Refere-se ao conhecimento e práticas culturais agrícolas, pecuárias e florestais que sustentam tanto a sociedade como a regeneração ecológica e que são, por isso, fundamentais preservar. 

É assim o nome de um movimento social que reclama o direito destas populações a manterem os seus modos de vida, o acesso às suas terras, às sementes tradicionais e à soberania alimentar, sejam elas comunidades locais, campesinas, indígenas ou tradicionais, agrícolas, pastoris ou piscatórias. 

Apoiando um projecto de dignidade, solidariedade e equidade, o movimento social da Agroecologia sublinha a necessidade de justiça ambiental entre classes sociais, géneros e culturas, declarando-se feminista, anticolonialista e anti-imperialista, posicionando-se a favor de um equilíbrio Norte-Sul e Este-Oeste.

Assim, a Agroecologia defende a autodeterminação dos povos e o direito das comunidades locais a escolherem os seus próprios caminhos de desenvolvimento, modos de subsistência e políticas públicas que as afetam assim como a proteger a sua dignidade, soberania alimentar e bem-viver. 

Quinta Maravilha, 2020. Fotografia Sara Baga

A RELEVÂNCIA DA AGROECOLOGIA: UM POUCO DE HISTÓRIA

A Agroecologia começou por se estabelecer como uma disciplina científica, que estuda as relações ecológicas na atividade agrícola focando-se à escala da quinta e do seu ecossistema. A unidade agrícola passou a ser vista e estudada como um ecossistema, com relações e interdependências entre as dimensões ecológicas, sociais e políticas. 

Com o desenvolvimento da disciplina, o estudar a paisagem agrícola como um ecossistema tornou evidente como comunidades locais e povos nativos mantêm práticas agroecológicas através das quais desenvolvem um modo de vida integrado na paisagem, que contribui para a manter e regenerar, numa relação simbiótica.

As comunidades camponesas são assim reconhecidas como produtoras e guardiãs de um conhecimento empírico baseado na observação, práctica e adaptação contínua à paisagem, constituindo uma ciência informal agrícola com a qual a comunidade académica tem muito a aprender. Estabelecem-se assim as bases da investigação transdisciplinar e participativa em agroecologia que fomenta o diálogo e aprendizagem mútua entre agricultores/as e investigadores/as.

No entanto, estas práticas agrícolas dependem não só das características ecológicas das paisagens e das escolhas das pessoas que nelas habitam, como também do conhecimento, crenças e cultura do povo a que pertencem, do contexto das políticas governamentais onde se inserem e da influência de mercados internacionais e acordos económicos globais.

Assim, ficou claro também como estas práticas têm sofrido recentemente drásticas alterações e uma grande erosão, em particular nos países industrializados onde a Revolução Verde avançou em força nos anos 1960. Encorajada por políticas de desenvolvimento que promovem a modernização das práticas agrícolas, a Revolução Verde procura aumentar a quantidade da produção alimentar para acabar com a fome. 

O problema da fome, no entanto, sabe-se que é derivado sobretudo de uma distribuição e acesso desigual à terra e ao alimento mais do que da escassez de produção — em particular, quando a agricultura familiar e de pequena escala detém apenas 25% da área agrícola mundial mas produz cerca de 75% do alimento.

Este processo de intensificação da produção alimentar começou com o aumento da área agrícola, em particular com a desflorestação e ocupação massiva de terras comunais e indígenas, num processo que ainda hoje se estende pelo mundo — grilagem de terras (i.e. land grabbing); e estabeleceu-se com a industrialização dos modos de produção agrícola, alterando radicalmente as práticas agrícolas e resultando numa maior dependência de insumos externos, como energia, fertilizantes e pesticidas, mas também de água e área agrícola.

Neste processo, além da erosão das práticas tradicionais agrícolas e da perda de conhecimento de modos de produção alimentar ecológicos, muitas famílias perderam também o acesso à terra e aos seus modos de subsistência. A vulnerabilidade económica e a perda de auto-suficiência levou muitas destas comunidades a migrar, passando a ser assalariadas, no campo ou na urbe. As cadeias de transmissão de conhecimento local quebraram-se e, vendo-se forçadas a abandonar os campos e seus modos de vida, estas comunidades rurais sofreram uma consequente diminuição das suas condições de vida e de soberania.

O uso de uma mão cheia de variedades híbridas produzidas pela agroindústria substituiu a incalculável diversidade de variedades de sementes tradicionais. As paisagens mosaico foram substituídas por extensos campos de monocultura, de onde desapareceram as tradicionais sebes de separação, destruindo os nichos ecológicos de inúmeras espécies úteis ao controlo de pragas e infestantes. Grandes extensões de monoculturas eram mais fáceis de gerir por maquinaria agrícola, eliminando assim a necessidade de mão de obra humana e de tracção animal. 

Com o aumento de escala das unidades agrícolas, o fim das sebes e das práticas tradicionais de apoio à regeneração ecológica (ex. rotação de culturas, pousio de terras e adubação com estrume animal), generalizou-se o uso de fertilizantes químicos, herbicidas e pesticidas obtidos de derivados do petróleo e outros componentes. A necessidade permanente de irrigação foi outra característica introduzida pela Revolução Verde, levando à comoditização da água e implicando não só o seu uso excessivo como a poluição com fitofármacos e fertilizantes dos cursos de água naturais.

O processo de intensificação continua, agora com a chamada “intensificação sustentável”, pois o problema da fome persiste e agrava-se com o aumento da população mundial. Com os efeitos iminentes das alterações climáticas, diminuição da fertilidade dos solos, depleção dos lençóis freáticos e de área de terra produtiva, hoje a fome é ainda uma preocupação muito real.

Neste contexto, há quem se aproprie da Agroecologia como apenas mais um pacote tecnológico para apoiar a agricultura industrial, seguindo princípios ecológicos com o fim de regenerar os solos, mas mantendo a sua finalidade industrialista de aumentar a produção numa lógica de monocultura intensiva, desta vez biológica e sem recurso a práticas poluentes.

Quem foque apenas na unidade agrícola, substituindo meramente insumos de produção químicos por processos biológicos, pode considerar que pratica agroecologia. Mas depressa observamos que a mera substituição de insumos agrícolas não é suficiente para responder aos devastantes impactos ecológicos e sociais gerados por monoculturas intensivas e pela industrialização capitalista do sistema alimentar.

É desde uma perspectiva crítica que se revela a relação entre a comoditização e monopolização do sector agro-industrial com os graves problemas que os sistemas alimentares modernos enfrentam. Falamos da transformação de campos biodiversos em monoculturas, da grilagem de terras, do desmembramento e isolamento das comunidades rurais, da erosão das práticas tradicionais agrícolas, da perda de conhecimento agroecológico, do despovoamento dos territórios rurais, do empobrecimento cultural e económico das famílias, do êxodo rural e da concentração em centros suburbanos, da precariedade laboral, das pressões de mercados internacionais que põe em causa a subsistência das populações e também da desflorestação e perda de biodiversidade, da poluição das águas e dos solos, da diminuição de terra produtiva, da desertificação dos territórios, da depleção dos lençóis freáticos, do aumento de gases de efeito de estufa, e de todo um longo etc. que em conjunto contribui para acelerar as alterações climáticas, diminuir a resiliência dos sistemas de produção alimentar e aumentar a vulnerabilidade económica das populações tanto rurais como urbanas.

Quinta Maravilha, 2020. Fotografia Sara Baga

AGROECOLOGIA, A ECOLOGIA DOS SISTEMAS ALIMENTARES 

Atualmente a Agroecologia afirma-se como uma ciência que aplica princípios e conceitos ecológicos no desenho e gestão da agricultura e de sistemas alimentares sustentáveis. Alicerçada no pensamento ecológico e propondo uma compreensão holística e sistémica do sistema alimentar, a Agroecologia integra a pesquisa, educação, ação e adaptação necessárias a promover a sustentabilidade e resiliência de todas as partes do sistema alimentar nas suas dimensões ecológicas, sociais, económicas, políticas e culturais.

Neste sentido, o entendimento da Agroecologia tem evoluído para englobar uma visão sistémica dos ecossistemas agrícolas, que visa o estudo da totalidade das interacções e interdependências entre os elementos que sustentam a produção alimentar, desde o campo ao prato, incluindo os vários processos que constituem a cadeia de comercialização e os contextos sociais e políticos que a determinam. Este estudo aprofundado dos sistemas alimentares revela os diferentes mecanismos de reforço ou inibição de processos vitais nestes sistemas a várias escalas, ao nível da quinta, do território ou da região, que por sua vez influenciam e são influenciados pelas estruturas sociais e sistemas políticos vigentes. 

A Agroecologia é transdisciplinar no sentido em que valoriza os vários tipos de conhecimento e experiência necessários à resiliência do sistema alimentar. Esta reconhece a validade dos sistemas de conhecimento locais, tradicionais e indígenas que, não sendo académicos, se baseiam na experimentação, observação e acumulação de conhecimento empírico sobre as condições e alterações ecológicas que se deram ao longo de gerações. Por isso, encoraja também o diálogo entre diferentes culturas, classes e géneros.

A Agroecologia é participativa pois requer o envolvimento de todos/as os/as actores chave que constituem o sistema alimentar, desde a produção e distribuição ao consumidor final. Esta integra todas as pessoas envolvidas na reprodução de conhecimento e práticas agrícolas, incluindo comunidades rurais e camponesas, produtores familiares, trabalhadores rurais e organizações locais nos processos de investigação e tomada de decisão. A co-criação de conhecimento beneficia assim tanto quem investiga como quem os pratica. 

E por fim, a Agroecologia é orientada para a acção, propondo o desenvolvimento de estratégias colectivas para responder aos impactos sociais e ecológicos do sistema alimentar actual. Assim, esta confronta as estruturas de poder económico e político que apoiam a agroindústria em detrimento das populações rurais, propondo estruturas sociais e políticas alternativas concretas para resolver os problemas actuais tanto das comunidades rurais e urbanas como dos ecossistemas que as sustentam.

Fontes

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